Manoel dos Santos e os netos acompanham o sofrimento da vaca
Dourada. Dos 40 animais que tinha no curral, 20 já morreram de sede e fome.
Estiagem já atinge população de 1.100 municípios
da região, que já teve furtos e até morte.
FLORESTA (PE), TERESINA PI E SALVADOR BA - Considerada a pior dos
últimos 50 anos em alguns estados do Nordeste, a seca está provocando um
confronto que só se imaginaria no futuro: a guerra pela água. Em Pernambuco,
essa luta já começou com tiros, morte e exploração da miséria. Protestos
desesperados são registrados não só lá, mas em várias regiões do semiárido,
onde a estiagem já se alastra por 1.100 municípios. A população pede
providências imediatas dos governos para amenizar os efeitos devastadores. A
situação só não é pior já que as famílias contam com os programas sociais, como
o Bolsa Família. Como observam agricultores, a preocupação no momento é maior
com os animais, que estão morrendo de sede e fome, do que com as pessoas.
Na beira das estradas que conduzem ao sertão, o verde não
mais existe. Ao longo das BRs 232 e 110, em Pernambuco, carroças puxadas a
jumentos magros tomam conta das margens em busca de água. Nos 100 quilômetros
de extensão da PE 360, que liga os municípios sertanejos de Ibimirim e
Floresta, há 28 pontilhões sob os quais os córregos corriam fortes. Hoje, estão
todos secos. Até mesmo o leito do Riacho do Navio — que ganhou fama na voz do
cantor Luiz Gonzaga — esturricou. Na última quinta-feira, bois magros tentavam
em vão matar a sede e tudo que encontravam era uma poça de lama escura naquele
conhecido afluente do rio Pajeú.
Em
Pernambuco, 66 municípios do sertão e do agreste estão em estado de emergência
reconhecido. O quadro tende a se agravar já que a temporada de chuva está
encerrada e os conflitos aumentam. Em Bodocó, no início do mês, o agricultor
João Batista Cardoso foi cobrar abastecimento regular na sede local da
Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e acabou morto. João Batista se
desentendeu com o chefe do escritório da estatal, José Laércio Menezes Angelim,
que disparou o tiro e hoje está foragido.
“Pipeiros”
distribuem água em troca de votos
Outra
face cruel para as vítimas da seca é a exploração: se no passado eram os
coronéis que manipulavam currais eleitorais distribuindo água, hoje as
denúncias recaem sobre ‘pipeiros’, geralmente candidatos a vereador e seus
cabos eleitorais, donos dos caminhões de água. A situação está tão grave que o
governo decidiu rastrear todos os carros-pipa que circulam na caatinga. A
Compesa começou a fazer operações para conter também o furto da água. Prevista
para durar três meses, as ações contam até com helicóptero.
Até a
última quinta-feira, foram detectados treze pontos suspeitos, com registro de
desvio para campos irrigados. A água roubada do estado também abastecia
reservatórios para carregar pipas e até mesmo um tanque com 50 mil peixes em
Ouricuri. Segundo a Compesa, a perseguição aos furtos é para garantir água a
200 mil famílias.
— As
barragens ficaram secas, o povo está com sede, mas o carro leva água para
colher voto. Os donos dos caminhões ganham por dois lados: recebem do governo e
o voto do povo. As pessoas prejudicadas não reclamam porque têm medo. Há culpa
tanto do estado quanto do município — reclamou Francisco da Silva, sindicalista
da região.
De acordo
com o secretário de Agricultura, Ranilson Ramos, há 800 pipas rodando a
caatinga, para atender as famílias.
Na Bahia,
a seca é considerada a pior dos últimos 50 anos. A longa estiagem no estado já
levou 234 dos 407 municípios baianos a decretar estado de emergência. O governo
estadual já reconheceu a emergência em 220.
A seca
está devastando as lavouras baianas e afetando a pecuária. Os preços
dispararam: o quilo do feijão, por exemplo, aumentou 40% este ano. Em Salvador
já custa R$ 8.
No Piauí,
152 municípios do semiárido, onde vivem 750 mil pessoas, estão sofrendo. No
estado, um caminhão-pipa de até 15 mil litros de água não sai por menos de R$
120 e as perdas das lavouras de milho, feijão e mandioca foram de 100% —
contabilizou o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura
(Fetag), Evandro Luz.
— A
população padece de sede. Muita gente está há 40 dias sem água porque não tem
dinheiro para comprar. Plantações inteiras foram perdidas — afirmou Luz.
Os
presidentes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais pediram à Central Nacional
de Abastecimento de cestas básicas para as famílias enfrentarem a fome.
No
estado, não há chuva forte desde julho. Por falta de alimentos, pequenos
criadores estão soltando o gado para que os animais procurem água e pasto.
— Vivemos
a maior seca de nossa história — disse Wilson Martins, governador do Piauí, que
em abril participou da reunião com a presidente Dilma Rousseff, que liberou
R$2,7 bilhões para minorar os efeitos da estiagem e anunciou a Bolsa Seca de
R$400. Segundo a Fetag, os recursos ainda não chegaram.
FONTE: http://oglobo.globo.com
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